terça-feira, outubro 27

Perspicácia...

[Salvador Dalí. Exploded head]



Desígnio

Palavras mudas perante o sentimento
Ninguém fala, ambos olham
Olham o infinito outorgando o lamento
Ninguém fala, ambos olham.

Belas melodias se desenham no ambiente
São carícias, são afagos de contento
Suas vestes negras ferem o segredo
Vão carpindo ao relento
Notas breves enchem o âmago quente
Vem a hora com o minuto ledo.
Devagar passa, deixando triste a gente
Vê-se a lua. Lua grave que distorce a realidade
Estrelas de cor turquesa geram outras violeta
Uma cai, junta-se a mim e segreda-me a saudade
Sente-se só, num céu brilhante
De natureza ofuscante.
A pena apodera-se de meu ser
E acompanha-me até ao amanhecer
Quando acordo, sinto raiva, desprezo de quem sou
Espero pela balada que em tempos soou
Como era bela essa balada!
Agora, está entorpecida e acabada.

jf.

domingo, outubro 25

Enquanto espero pelo sono

Insónia


Meus membros entorpecidos
Carregam-me a insónia
Não durmo. Só lembro e relembro
Minhas glórias de outrora
Ganhava troféus, repletos de sonho
Eram presentes, risonhos presentes
Minh’alma singela de menina petiz
[como era feliz!]
Era cheia de sóis
Era cheia de luas
Não posso dormir, meus olhos são pedras
Duras pedras: opacas e pouco sérias
Rasgo o papel que me leva o sono
Medo. Apodera-se-me na mente
Tenho medo de meu mundo trajado de sonho.

jf.
[apeteceu-me colocá-lo aqui]

domingo, outubro 18

A Dança da Vida

[Salvador Dalí. Rock and Roll]



Entusiasmo a garrafa de licor
Numa valsa de sabor

Sinto a loucura

Pés que dançam, rodopiam enjoados
A bebida vai andando pelo corpo
Numa overdose de matéria
Agitação, entorpecimento que não me traz a cura
Olho-te, nada vejo além de seres alados
Que desfrutam em longa rebeldia
Bebidas, licores, pés descalços e cansados
A dança é doentia.

Estáticos movimentos tornam-se frenéticos
São ambos desnudados em combates nada éticos.

Desprende-se a cólera,
A fétida cólera.

jf.
[Tropelias em roda viva. Movimentos contrários que nos fazem olhar em frente. A vida, não é mais do que uma rede de matéria viscosa e deformada]

quarta-feira, outubro 14

Caminhos...

[imagem do google]


Os passos são largos, pesados, dolorosos...As palavras que te escrevo, os gestos de carinho não te ajudam a ver-me... estou aqui, em silêncio.

Os caminhos são opostos: se um vive num constante platonismo do sentir, o outro vive numa ânsia do viver... assim é e será.
Não serão os versos nem as [minhas] preocupações capazes de te aproximar. Nasceste livre, livre permanecerás. Essa é a condição dos destemidos... a tua verdadeira condição.

domingo, outubro 11

Poema de uma Personalidade Forte e que tanto admiro

[mar do Norte: Agosto 2009]

Amor de fixação


«A experiência é madre das coisas
e por ela soubemos radicalmente
a verdade».
Duarte Pacheco Pereira, "Esmeraldo"



Há um caminho marítimo no meu gostar de ti.
Há um porto por achar no verbo amar
há um demandar um longe que é aqui.
E o meu gostar de ti é este mar.

Há um Duarte Pacheco em eu gostar
de ti. Há um saber pela experiência
o que em muitos é só um efabular.
Que de naugrágios é feita esta ciência

que é eu gostar de ti como um buscar
as índias que afinal eram aqui.
Ai terras de Aquém-Mar (a-quem-amar)

naus a voltar no meu gostar de ti:
levai-me ao velho pinho do meu lar
eu o vi longe e nele me perdi.


Manuel Alegre

quinta-feira, outubro 8

Manifesto à Loucura

[imagem do google]


Silêncio
Colapso

Meu sangue borbulha num tempo suspenso
Sinto-o arrastar-se
Fere-me
Rasga-me a pele
Em pedaços de carne de uma crosta pesada
E arrasta-se, dilacerando-me os olhos
Veias suspensas
Entre um pálido azul e um quente vermelho
Fervilha-me o sangue num grito de guerra
E bocas se abrem em meus olhos ausentes
Perdi-os na noite em que recusei ver o mundo
Um mundo de ódio e paz consentida
Um mundo de brechas saídas do nada
Meus olhos, agora, são voz

Voz, gritos, palavras

Palavras de dor
Palavras de susto
AH! MEU MUNDO É NADA
NADA É MEU MUNDO
As veias azuis de um quente vermelho
Ganham tons pardacentos
Em auxílios sedentos.

jf.

segunda-feira, outubro 5

O que é conhecido por Vida?

Perplexidade

A criança estava perplexa. Tinha os olhos maiores e mais brilhantes do que nos outros dias, e um risquinho novo, vertical, entre as sobrancelhas breves. «Não percebo», disse.
Em frente da televisão, os pais. Olhar para o pequeno écran era a maneira de olharem um para o outro. Mas nessa noite, nem isso. Ela fazia tricô, ele tinha o jornal aberto. Mas tricô e jornal eram alibis. Nessa noite recusavam mesmo o écran onde os seus olhares se confundiam. A menina, porém, ainda não tinha idade para fingimentos tão adultos e subtis, e, sentada no chão, olhava de frente, com toda a sua alma. E então o olhar grande a rugazinha e aquilo de não perceber. «Não percebo», repetiu.
«O que é que não percebes?» disse a mãe por dizer, no fim da carreira, aproveitando a deixa para rasgar o silêncio ruidoso em que alguém espancava alguém com requintes de malvadez.
«Isto, por exemplo.»
«Isto o quê»
«Sei lá. A vida», disse a criança com seriedade.
O pai dobrou o jornal, quis saber qual era o problema que preocupava tanto a filha de oito anos, tão subitamente.
Como de costume preparava-se para lhe explicar todos os problemas, os de aritmética e os outros.
«Tudo o que nos dizem para não fazermos é mentira.»
«Não percebo.»
«Ora, tanta coisa. Tudo. Tenho pensado muito e...Dizem-nos para não matar, para não bater. Até não beber álcool, porque faz mal. E depois a televisão...Nos filmes, nos anúncios...Como é a vida, afinal?»
A mãe largou o tricô e engoliu em seco. O pai respirou fundo como quem se prepara para uma corrida difícil.
«Ora vejamos,» disse ele olhando para o tecto em busca de inspiração. «A vida...»
Mas não era tão fácil como isso falar do desrespeito, do desamor, do absurdo que ele aceitara como normal e que a filha, aos oito anos, recusava.
«A vida...», repetiu.
As agulhas do tricô tinham recomeçado a esvoaçar como pássaros de asas cortadas.

Maria Judite de Carvalho

Também eu me pergunto, o que é isto a que chamam vida? Uma vida em hecatombe, onde o poder dos hipócritas "tem mais valor" do que o valor dos mais puros de alma...

quinta-feira, outubro 1

Porque alguém me disse, ser este o poema que mais apreciava

Perturba-me o teu ser
Tão oblíquo e bifronte
Pareço-me perder
Num sem fim de horizonte.

Sorte vil e degradante
Desta alma separada,
Cresce-me a vontade de um cavaleiro errante
Que de luta em luta salvaguarda a sua amada.

Qual espada de Excalibur,
Qual pesado peso da Fortuna,
É da alma
Que sinto esta paz oportuna.

Sentimento puro e desconcertante…
Se isto é querer,
Satisfaça-me o ser
Tão nobre e desgastado
De antes haver lutado.

jf.