domingo, novembro 22

Partes de sombra

[imagem do google]


Angústia

Luz
Noite

Singro num sopro de fel
Navego nas águas sagradas
Deixo um pouco de pele
E agarro-me em sombras aladas.

Lá longe, um anjo da noite
Que esvoaça na sépia dourada
Por entre vagidos carrega o açoite
Alonga-se a asa. Perece parada.

É retrato de dor
É retrato de vidas
De entre palavras pouco sabidas
É figura do negro pintado em torpor…

Saem-lhe ditos em nada desditos
Reclama à aurora os medos contidos
E as sombras de luz tresmalham vontades…
Caindo o sopro em duas metades.
Urge o tempo em pleno relento
Assanha-se o ser
Bate as asas
Eleva-se p’la noite.

jf.

quarta-feira, novembro 11

[A. Matos Ferreira. Metamorfose II]


Fortuna Desmedida

Plácidos sorrisos a dois
Almas juntas e enlaçadas no sentir
É a arte do que sóis
Almas puras do devir
Imaculadas suas mãos que se tocam
Em tom sério confidências segredadas
No prazer do lido se retratam
No meio do maldito, vozes distorcidas são ouvidas
Largos passos percorreram na busca da afirmação
Porém, alguém devasta-lhe o coração
Sozinha na luz das trevas
Nada faz, mergulha em sua cripta
Satisfaz-se na alegria da mortandade
Ofuscando sua alma maldita
Quer fugir, quer sair e não sair
Quer afogar-se num oceano de maldade
E nele ofender a sua desdita

Nasceu vã, vã morrerá
Envolta num jardim jazerá
Lá onde a glória é sã.

jf.

quarta-feira, novembro 4

Naquele tempo

[Salvador Dalí. La persistencia de la memoria]


In illo tempore

O tempo que foi
Jamais regressa
Foi tempo vivido
Correu bem depressa.
Cessou perdido nos entremezes do pasmo
De pasmo viveu e nele cresceu
Lidou com pessoas
Discretas, sarcásticas, outras concretas
Todas sumidas: num mundo sem tempo
Domínios de si
Que vão contra ti.
Exaspera-se d’alma a indiferença apagada
Nem tendo palavras esboça sua fada
Aquela que vence outro tempo dúbio
Nasce-lhe a certeza de ínfimo rúbio
O pardo surgiu
E ela partiu.


jf.

terça-feira, outubro 27

Perspicácia...

[Salvador Dalí. Exploded head]



Desígnio

Palavras mudas perante o sentimento
Ninguém fala, ambos olham
Olham o infinito outorgando o lamento
Ninguém fala, ambos olham.

Belas melodias se desenham no ambiente
São carícias, são afagos de contento
Suas vestes negras ferem o segredo
Vão carpindo ao relento
Notas breves enchem o âmago quente
Vem a hora com o minuto ledo.
Devagar passa, deixando triste a gente
Vê-se a lua. Lua grave que distorce a realidade
Estrelas de cor turquesa geram outras violeta
Uma cai, junta-se a mim e segreda-me a saudade
Sente-se só, num céu brilhante
De natureza ofuscante.
A pena apodera-se de meu ser
E acompanha-me até ao amanhecer
Quando acordo, sinto raiva, desprezo de quem sou
Espero pela balada que em tempos soou
Como era bela essa balada!
Agora, está entorpecida e acabada.

jf.

domingo, outubro 25

Enquanto espero pelo sono

Insónia


Meus membros entorpecidos
Carregam-me a insónia
Não durmo. Só lembro e relembro
Minhas glórias de outrora
Ganhava troféus, repletos de sonho
Eram presentes, risonhos presentes
Minh’alma singela de menina petiz
[como era feliz!]
Era cheia de sóis
Era cheia de luas
Não posso dormir, meus olhos são pedras
Duras pedras: opacas e pouco sérias
Rasgo o papel que me leva o sono
Medo. Apodera-se-me na mente
Tenho medo de meu mundo trajado de sonho.

jf.
[apeteceu-me colocá-lo aqui]

domingo, outubro 18

A Dança da Vida

[Salvador Dalí. Rock and Roll]



Entusiasmo a garrafa de licor
Numa valsa de sabor

Sinto a loucura

Pés que dançam, rodopiam enjoados
A bebida vai andando pelo corpo
Numa overdose de matéria
Agitação, entorpecimento que não me traz a cura
Olho-te, nada vejo além de seres alados
Que desfrutam em longa rebeldia
Bebidas, licores, pés descalços e cansados
A dança é doentia.

Estáticos movimentos tornam-se frenéticos
São ambos desnudados em combates nada éticos.

Desprende-se a cólera,
A fétida cólera.

jf.
[Tropelias em roda viva. Movimentos contrários que nos fazem olhar em frente. A vida, não é mais do que uma rede de matéria viscosa e deformada]

quarta-feira, outubro 14

Caminhos...

[imagem do google]


Os passos são largos, pesados, dolorosos...As palavras que te escrevo, os gestos de carinho não te ajudam a ver-me... estou aqui, em silêncio.

Os caminhos são opostos: se um vive num constante platonismo do sentir, o outro vive numa ânsia do viver... assim é e será.
Não serão os versos nem as [minhas] preocupações capazes de te aproximar. Nasceste livre, livre permanecerás. Essa é a condição dos destemidos... a tua verdadeira condição.

domingo, outubro 11

Poema de uma Personalidade Forte e que tanto admiro

[mar do Norte: Agosto 2009]

Amor de fixação


«A experiência é madre das coisas
e por ela soubemos radicalmente
a verdade».
Duarte Pacheco Pereira, "Esmeraldo"



Há um caminho marítimo no meu gostar de ti.
Há um porto por achar no verbo amar
há um demandar um longe que é aqui.
E o meu gostar de ti é este mar.

Há um Duarte Pacheco em eu gostar
de ti. Há um saber pela experiência
o que em muitos é só um efabular.
Que de naugrágios é feita esta ciência

que é eu gostar de ti como um buscar
as índias que afinal eram aqui.
Ai terras de Aquém-Mar (a-quem-amar)

naus a voltar no meu gostar de ti:
levai-me ao velho pinho do meu lar
eu o vi longe e nele me perdi.


Manuel Alegre

quinta-feira, outubro 8

Manifesto à Loucura

[imagem do google]


Silêncio
Colapso

Meu sangue borbulha num tempo suspenso
Sinto-o arrastar-se
Fere-me
Rasga-me a pele
Em pedaços de carne de uma crosta pesada
E arrasta-se, dilacerando-me os olhos
Veias suspensas
Entre um pálido azul e um quente vermelho
Fervilha-me o sangue num grito de guerra
E bocas se abrem em meus olhos ausentes
Perdi-os na noite em que recusei ver o mundo
Um mundo de ódio e paz consentida
Um mundo de brechas saídas do nada
Meus olhos, agora, são voz

Voz, gritos, palavras

Palavras de dor
Palavras de susto
AH! MEU MUNDO É NADA
NADA É MEU MUNDO
As veias azuis de um quente vermelho
Ganham tons pardacentos
Em auxílios sedentos.

jf.

segunda-feira, outubro 5

O que é conhecido por Vida?

Perplexidade

A criança estava perplexa. Tinha os olhos maiores e mais brilhantes do que nos outros dias, e um risquinho novo, vertical, entre as sobrancelhas breves. «Não percebo», disse.
Em frente da televisão, os pais. Olhar para o pequeno écran era a maneira de olharem um para o outro. Mas nessa noite, nem isso. Ela fazia tricô, ele tinha o jornal aberto. Mas tricô e jornal eram alibis. Nessa noite recusavam mesmo o écran onde os seus olhares se confundiam. A menina, porém, ainda não tinha idade para fingimentos tão adultos e subtis, e, sentada no chão, olhava de frente, com toda a sua alma. E então o olhar grande a rugazinha e aquilo de não perceber. «Não percebo», repetiu.
«O que é que não percebes?» disse a mãe por dizer, no fim da carreira, aproveitando a deixa para rasgar o silêncio ruidoso em que alguém espancava alguém com requintes de malvadez.
«Isto, por exemplo.»
«Isto o quê»
«Sei lá. A vida», disse a criança com seriedade.
O pai dobrou o jornal, quis saber qual era o problema que preocupava tanto a filha de oito anos, tão subitamente.
Como de costume preparava-se para lhe explicar todos os problemas, os de aritmética e os outros.
«Tudo o que nos dizem para não fazermos é mentira.»
«Não percebo.»
«Ora, tanta coisa. Tudo. Tenho pensado muito e...Dizem-nos para não matar, para não bater. Até não beber álcool, porque faz mal. E depois a televisão...Nos filmes, nos anúncios...Como é a vida, afinal?»
A mãe largou o tricô e engoliu em seco. O pai respirou fundo como quem se prepara para uma corrida difícil.
«Ora vejamos,» disse ele olhando para o tecto em busca de inspiração. «A vida...»
Mas não era tão fácil como isso falar do desrespeito, do desamor, do absurdo que ele aceitara como normal e que a filha, aos oito anos, recusava.
«A vida...», repetiu.
As agulhas do tricô tinham recomeçado a esvoaçar como pássaros de asas cortadas.

Maria Judite de Carvalho

Também eu me pergunto, o que é isto a que chamam vida? Uma vida em hecatombe, onde o poder dos hipócritas "tem mais valor" do que o valor dos mais puros de alma...

quinta-feira, outubro 1

Porque alguém me disse, ser este o poema que mais apreciava

Perturba-me o teu ser
Tão oblíquo e bifronte
Pareço-me perder
Num sem fim de horizonte.

Sorte vil e degradante
Desta alma separada,
Cresce-me a vontade de um cavaleiro errante
Que de luta em luta salvaguarda a sua amada.

Qual espada de Excalibur,
Qual pesado peso da Fortuna,
É da alma
Que sinto esta paz oportuna.

Sentimento puro e desconcertante…
Se isto é querer,
Satisfaça-me o ser
Tão nobre e desgastado
De antes haver lutado.

jf.

quarta-feira, setembro 30

[praia de Moledo, Minho]

Águas turvas de teu ser



Suspensas auroras gozadas
Observou a maré
Por areias armadas
Saltou num só pé

Caiu, feriu-se nas pedras douradas
Julgava ser duende dos doces sais
Mas pouco sabia das águas salgadas
Nadou pela margem fazendo sinais
Ninguém entendeu…
Braçadas fechadas levou-a bem longe

LÁ SE PERDEU
Na linha do infinito
Tinha fugido num sopro marinho
Duende das águas, nadou pelos fundos
A ÁGUA ERA TURVA
Viu um velho de barbas que se aproximava
Nadava e nadava
Saíra dali porque o amava
Com medo de si, afogou-se em silêncio
Peixes vieram
Levaram-na no dorso
Ao som de seu cântico
Tão suave de doce.

jf.
[E porque as memórias não me sossegam. Sinto-me só]

sexta-feira, setembro 25

Na Noite


[em fotos nocturnas]

O belo aos meus olhos. Mistério, enigma, incertezas reflectidas na noite quente de um Agosto. Lembrava-me de mim, do passado, do que fôra e não quisera ser. Do que sentia e se me impunha como punhal ferido de dor, pela dor que sentia. Queria fugir, perder-me no bosque. 
Aquele bosque era imenso: ruídos de morte, ruídos de vida. Caminhei pela noite...

[imagem do google]


Uma casa. Acolhida entre quatro paredes, descobre-lhe o segredo. Janelas de madeira pinceladas a cor marfim, vidros opacos que se embaçam em gerações de contraste: vincados contrastes.
Uma alma serpenteia, delicada, desnorteada. Almeja seu íntimo. Entre "psiqué's" sumidas, lá batalha na descoberta da essência. Encontrá-la-á? Com certeza. É valente, puro guerreiro.

As portas fechadas, selaram segredos profundos. Das chaves de outrora, perderam-lhe o rasto. Mas a chave dourada, que doira meu ser, num retrato findado poderá ser achado.

quinta-feira, setembro 24

Origens II

[aos 4 anos]


"Respingona" e destemida entre motivos campestres. Assim me defino: rapariguinha decidida desde tenra idade. Toda a meninice me eleva na podridão deste viver oco e tresmalhado de sentido.
HOJE, já não sou essa menina valente, mas antes uma partícula de vivências e sensações que me transformaram no eu de AGORA.

Origens I

[meus pais]

Decidida a começar de novo.

Deles vim. A eles devo quem sou. Particularidades acentuadas do pai, feitio efusivo, impaciência transferida. Poucas ou nenhumas semelhanças com a mãe. Sentimental por ela, gosto aguçado em parte também, em suma, mulher com ela.
Em tantos momentos, confrontos abertos, mas sou parte de vós e vós, todo de mim.