sábado, agosto 25

Ad Dolor II


[imagem do google]


Dissipa a noite
A sala pintada a cores ténues
Fixo o relógio e desprendo-me de mim
Nada ouço, nada vejo
Tudo emerge de entre o onírico
Sinto-a perto...
A angústia invade-me.
Cintilam os cristais
E faço-me parte deles.
Depois do riso
A face oscila, é desprezo, é ensejo
É demência sentida
É sanidade perdida
Solto o grito estridente
Aquele que sai indecente
É a dor
Dor de sentir.

jf.

sexta-feira, agosto 10

Ad dolor I

[imagem do google]


Fujo, recuo
Mostro-me e escondo-me
Paro, silencio-me.
Dói o que vem de mim
Não o quero sentir, mas vem de mim
A repulsa de ser assim.
Alma que se consome
Por entendimento não ter
Por ser e não ser
Arrasta-se-me o entristecer
E não se alcança o viver.
Sou um verme, um verme
Que repugna que aborrece
Percorro o solo mais abjeto
Sem alento nem teto.

jf.

terça-feira, julho 10

Leva-me

[imagem do google]



Nada me peças
Senão a calma que vem de mim,
A inquietude que me faz assim
E me deixa perdida num sem fim.

Finge que me adoras
Ama-me por largas horas
E enreda-me no teu ser
Num delírio até ao amanhecer.

Ah! Dá-me o teu peito
Deixa-me repousar e nele sonhar
Leva-me para além da noite
Lá onde o céu encontra o mar.

jf.

sábado, julho 7

Corpos em êxtase

[imagem do google]




Corpos em êxtase
Azáfama eufórica
Nada os faz pensar, nada os perturba
Ambos se sentem, ambos se querem
Nada para, tudo avança.
A ternura emerge por entre eles e, de súbito, tudo muda.
Loucura vã, os corpos estremecem e não se largam
Desafiam-se na loucura do encontro.
Olhares singelos que se cruzam
E por entre a vontade, a não vontade.

Em segredo, sabem-no, mas não ousam
Querem e não querem
Hesitam...
Almas algemadas na penúria do ser.
Os instintos perdem-se quando sentem o aroma da tez.
Semblantes melancólicos, fragmentados
Murmúrios, gemidos suaves.
De novo o êxtase, de novo as carícias
E assim se envolvem num tempo sem tempo.



jf.

quarta-feira, julho 4

Gente muda

[imagem do google]




Gente muda,
Olhares trémulos e extasiados
Mãos quentes e agitadas na tortura do sentir
Batidas leves e descompensadas da euforia
Corpos em parte incerta
Onde fervilha o desejo dos sentidos
Essências no ar que os faz vibrar
Subitamente, desponta a loucura
Corpos que se dissipam num enredo cinestésico
Tocam a virtude do arrebatamento
Faíscas desenham-se por entre gemidos
Arfam versificações de poeta
Gesticulam no âmago do prazer
Do prazer vem o clímax e do clímax, repouso
Cruzam-se na multidão sem dar sentido ao vivido
Fitam-se num duelo fingido
Com vontade de um abraço perecido.

jf.

domingo, junho 3

Poetica

[Salvador Dalí. Obra sem título]



Poetizar

Para quem quer versificar
Digo-vos:
Mais não é que a arte de brincar.
Procurem palavras entrecortadas
Depois [acrescentem-lhes] outras tantas truncadas
Escrever é reflectir o abstrato,
É assegurar-se num contrato.
Contrato de sentimentos
Tal qual os nossos lamentos
Escrevem os que padecem
Em vasta angústia de sonhar
E nada mais parecem
Que crepúsculos de luar.
É à noite que enlouquecem
Na demanda do criar
Do escrito vem a essência
Da essência, a carência.
Façam justiça ao inaudito
E nada deixem no entredito.

jf.

quinta-feira, maio 31

Matutinus

[Gustav Klimt. O Beijo]


Amanhece…
Dentro de mim essa ânsia de saber
Olho o céu, de um cálido azul, lembra-me a ele
E faz-me crescer.
Lá fora, gente perdida,
Rios de luz…
Sento-me ao canto, e fico contida
Vejo o infinito e parto para o abismo
Cai sobre mim, o pessimismo.
Mudam-se as cores da melancolia
Do branco vem preto e do preto, cinzento
Dá-me de ti a rebeldia
Dá-me de ti parte d’alento.
Fala-me da aurora, das luas cheias
Mostra-me a vida
Além das colmeias
Lá onde as abelhas fazem o mel
Com agitação nem um pouco de fel.

jf.

quarta-feira, maio 23

Transitum inanis

[Salvador Dalí. Metamorfosis de Narciso]



Vazio

Nada sou
Nada quero, meu mundo é nada
Sou feita de vazio
Que complementa meu fastio,
Rastejo, sem um pouco de pejo,
Meus olhos são água
Salgada água que não me adoça
Mergulho nela e nela me vejo
Entranha-se-me a raiva
E nela me ouço:

CHORO, GRITO, SOLUÇO

Pernas que tremem em desvario
Saudade
de ser menina do rio.
A água era doce, de um doce marfim
Agora é suja, sem um pouco de mim.



jf.